A Casa do Padre

Lembro da primeira vez que meu velho me levou pra cortar cabelo, tão nitidamente como se tivesse sido ontem que voltava pra casa com o pescoço pinicando e cheirando a talco barato. Tinha uns quatro ou cinco anos e estava andando na rua com minhas sandalinhas de couro. Era início da noitinha e eu estava na rua segurando a mão do meu pai, estranhando as pessoas da rua, os cheiros esquisitos e a luz avermelhada dos postes com lâmpadas de mercúrio.

A Casa do Padre era em um bequinho estreito e minúsculo onde hoje funciona uma pensão que vende comida à quilo e uma gráfica rápida, dessas que já já vão a falência. De manhã a entrada do beco era guardada por um senhor que vendia limões em saquinhos de rede amarela e fichas de telefone, com seu peculiar trec-trec, batendo ritimadamente as tiras de papel recheadas com os disquinhos de ferrite. Os azulejos cor de orkut iam até o meio da parede, sendo emboço limpo e branco (na medida do possível) até o teto. Em cima de cada cadeira tinha um circulador de ar pendurado perpendicularmente para aliviar os fregueses do calor. O ambiente parecia um bar, pois tinha pelo menos uma dúzia de pessoas por ali jogando vanja fora, contando causos e mentiras.

A fauna do habitat contava com figuras como um cabeludo moreno de bigodinho que ensaboou as longas madeixas e as deu forma de chifres compridos. Todo mundo caiu na gargalhada quando ele virou a cabeça pro pessoal com uma cara de carranca bahiana. Tinha uma mulher morena meio esquisita com os peitos enormes que um dia na juventude deveriam ter sidos espetaculares. Mas hoje estavam ali perto do beiral do umbigo, como um anão tentando ver dentro de um poço de amurada alta. Esse era o barbeiro onde o bigodudo rotundo alcunhado de eclesiástico exercia seus dotes com a tesoura e pente. Atendia no mesmo ambiente o Russo, um albino com barba e cabelos muito ruivos e muito encarapinhados, meio roliço, com beiços grossos e sempre com a boca entreaberta.

Serviço feito. Talco no pescoço. Voltamos pra casa. Não. Antes paramos em um bar para tomar guaraná.